MORADORES SÃO CONHECIDOS POR APELIDO EM CIDADE MINEIRA
Na cidade de São Domingos do Prata (MG), ninguém se lembra e nem usa o nome de batismo. Tem até lista telefônica especial pra saber quem é quem. Ela é conhecida como a Cidade dos Apelidos.
O nome da cidade é São Domingos do Prata, mas pode chamar de Prata. Lá é assim. Até a moradora mais velha é Dona Maria Lima, tem apelido. “Nasci a 8 de abril de 1906”, conta. São 102 anos e um apelido: Quita Biscoiteira. Se bem que, depois que aposentou os biscoitos ficaram para trás.
“Acabou o forno. Ficou só Quita. A Biscoiteira parou”, disse a aposentada Maria Lima. Agora, Dona Quita passa o dia na janela, vendo a cidade passar na rua, revelando seus apelidos.
Um casal aparece sempre. A aposentada Rita Braga Pessoa de Ávila, de 74 anos, traz o nome de batismo guardadinho em uma sacolinha de plástico. E é só para o caso de necessidade mesmo. “Eu me chamo Neguinha, mas meu nome é Rita Braga Pessoa de Ávila. O apelido é Neguinha, não sei por quê”, diz a aposentada.
Ela é Neguinha desde menina. Sabe quando o marido ficou sabendo o nome verdadeiro dela? “Eu casei com ela e não sabia o nome dela. Só sabia depois que casei”, diz o marido, o aposentado Domingos Zacarias de Ávila.
Marias
Já são 54 anos de casados. E o casamento também dita apelido, como conta Dona Maria. Mas que Maria? “Quando eu estava solteira, os outros me conheciam por Maria Marcelina. Mas depois que eu me casei, os outros só me conhecem por Maria Peninha”, comenta, rindo, a dona de casa Maria Pena.
Como ela, vieram outras Marias. “Maria Zequinha, Maria de Mauro, Maria Didi. É muito tipo de Maria”, lembra a dona de casa.
Mas não é assim com toda Maria. Que o diga Niene. “Eu chamo Maria Monteiro Moreira, mas se perguntar por Maria Monteiro Moreira ninguém conhece. Tem que ser Niene mesmo, é o meu apelido”, conta a comerciante.
Niene tem barraquinha na praça. Vende fiado e é tudo anotadinho. Adivinha como? “Dica da Paixão”, “Pretinha”. Quem é Pretinha? “A dona de Ermelinda, mas não sei o nome dela”, comenta.
Isso é coisa de quem tem apelido na família inteirinha. “Eu tenho uma irmã que chama Raimunda e tem o apelido de Nenzinha. Tem uma que chama Aparecida e tem apelido de Doca. Tem a Maria Isaura que tem apelido Taia. São muitos, não me lembro de todos para falar agora”, diz a comerciante Maria Monteiro Moreira.
Lista telefônica
Se não encontra uma pessoa na rua, o jeito é descobrir o número dela no catálogo e telefonar. Mas sem saber o nome verdadeiro, como fazer? Já está feito. Em São Domingos do Prata, existe uma lista telefônica com o apelidos dos moradores.
A obra é do comerciante Francisco Fernandes. Ele é conhecido como Chico Topa-Tudo. Comprava e vendia de um tudo, ficou o apelido. Na lista de Chico, só entra quem topa. Nem todo mundo gosta de como é chamado.
“Um sujeito que tinha um coqueiro na frente da casa dele e esse coqueiro era motivo de briga, porque apelidaram o homem de Zé do Coqueiro. O sujeito, depois de um certo tempo, ficou irritado com aquilo lá e mandou cortar o coqueiro. Cortou o coqueiro e, passado um tempo, apelidaram ele de Zé do Toco. Zé do Toco foi irritando também e ele, nervoso com aquele ‘trem’, mandou arrancar o toco. Aí ficou Zé do Buraco. Não escapuliu de nada”, conta o Chico Topa-Tudo.
Bom humor
No catálogo, para encontrar a freguesia pelo apelido é mais fácil. “Cidoca, Clins, Cilinho, Cizinho, Da Maia”, diz uma vendedora.
Biete era a notinha que ele levava para os devedores – um bilhete. Cobrador até hoje, Biete não perde uma.
“Eu tenho que receber um cachê da Globo então, uai”, brinca o comerciante Roberto Graciano Artuso.
Na cidade dos apelidos, todo mundo quer fazer graça. Mas, como diz Teda, o cabeleireiro, nem sempre sai ganhando.
“Tem um rapaz que tem o apelido de Me Esquece. Ele foi candidato a vereador e no santinho tinha ‘Me Esquece’. Ele pedia para o pessoal esquecer dele e não foi eleito”, lembra o cabeleireiro Paulo César Rosa.
É assim e assim será nesta terra de nome Prata. Nome não, apelido. “Não pode morrer a tradição, se não morre o Brasil”, acredita o comerciante Geraldo Vieira Lima.
Fonte: www.g1.com.br
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